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domingo, 15 de junho de 2008

Quando Marvin Chorou...


...Naquela mesma tarde, o paciente do quarto 13 da Clínica Lauzon, Eckart Müller, pegou um fiacre até a estação ferroviária e, de lá, viajou para o sul, sozinho, para a Itália, para o calor do sol, o ar calmo e um encontro, um honesto encontro, com um profeta persa chamado Zaratustra.

NOTA DO AUTOR

Friedrich Nietzsche e Josef Breuer nunca se conheceram. E, é claro, a psicoterapia não foi inventada como resultado do encontro deles. Não obstante, a situação da vida da maioria dos personagens baseia-se em fatos, e os componentes essenciais deste romance - a angustia mental de Breuer,o desespero de Nietzsche, Arma O.,Lou Salomé, o relacionamento de Freud com Breuer, que foi o embrião da psicoterapia - existiam historicamente em 1882.

Friedrich Nietzsche fora apresentado por Paul Rée à jovem Lou Salomé na primavera de 1828 e, nos meses seguintes, tivera um breve, Intenso e casto caso amoroso com ela. Ela seguiria uma notável carreira como brilhante literata e psicanalista e também seria conhecida pela amizade última com Freud e por suas ligações românticas, especialmente com o poeta alemão Rainer Maria Rflke.

O relacionamento de Nietzsche com Lou Salomé, complicado pela presença de Paul Rée e sabotado pela irmã de Nietzsche,Elisabeth, terminou desastrosamente para ele; durante anos, o filósofo esteve angustiado com seu amor perdido e com sua crença de que fora traído. Durante os últimos meses de 1882 - aqueles em que se passa a história deste livro -, Nietzsche estava profundamente deprimido, até com impulsos suicidas. Suas cartas desesperadoras para Lou Salomé, partes das quais estão citadas no decorrer deste livro, são autênticas, embora haja incerteza sobre quais foram meramente rascunhos e quais foram realmente remetidas. A carta de Wagner para Nietzsche citada no Capítulo l também é autêntica.

O tratamento médico ministrado por Josef Breuer a Bertha Pappenheim, conhecida como Anna O., ocupou grande parte da atenção dele em 1882. Em novembro daquele ano, começou a discutir o caso com seu jovem protegido e amigo, Sigmund Freud, o qual, conforme descreve este romance, visitava com freqüência a casa de Breuer. Uma década depois, o caso de Anna O. seria o primeiro descrito em Estudos sobre a histeria de Freud e Breuer, o livro que desencadeou a revolução psicanalítica.Bertha Pappenheim foi, assim como Lou Salomé, uma mulher notável. Anos após seu tratamento com Breuer, distinguiu-se tanto numa carreira de assistente que foi postumamente homenageada em um selo comemorativo da Alemanha Ocidental de 1954. Sua Identidade como Anna O. era desconhecida do público até que Ernest Jones a revelou em sua biografia de 1953 “Vida e obra de Sigmund Freud”.Teria o Josef Breuer histórico sido obcecado pelo desejo erótico por Bertha Pappenheim? Pouco se sabe da vida íntima de Breuer, mas os estudos pertinentes não eliminam essa possibilidade. Relatos históricos conflitantes concordam apenas com o fato de que o tratamento de Bertha Pappenheim com Breuer evocou sentimentos complexos e poderosos em ambas as partes.Breuer se preocupava tanto com sua jovem paciente e despendia tanto tempo visitando- a, que sua esposa Mathilde ficou ressentida e enciumada. Freud mencionou explicitamente ao seu biógrafo Ernest Jones o envolvimento emocional excessivo de Breuer com sua jovem paciente e, em uma carta escrita na época para sua noiva Martha Bernays, tranqüilizou-a de que nada do gênero jamais aconteceria com ele. O psicanalista George Pollock aventou que a forte resposta de Breuer a Bertha pode ter radicado no fato de ele ter perdido a mãe, também chamada Bertha, numa idade prematura.
O relato da dramática gravidez ilusória de Anna O. e o pânico e a interrupção precipitada da terapia por parte de Breuer há muito tempo fazem parte do saber psicanalítico. Freud descreveu o incidente pela primeira vez em uma carta de 1932 ao romancista austríaco Steían Zweig, e Ernest Jones o repetiu em sua biografia de Freud. Apenas recentemente o relato foi questionado e a biografia de Breuer por Adbrecht Hirschmuller em 1990 sugere que todo o incidente foi um mito forjado por Freud. O próprio Breuer jamais esclareceu esse ponto e, no histórico do caso publicado em 1895, aumentou a confusão em tomo do caso de Anna O. ao exagerar excessiva e inexplicavelmente a eficácia de seu tratamento.

É notável, considerando-se a grande influência de Breuer no desenvolvimento da psicoterapia, que ele tenha voltado a atenção para a psicologia por apenas um breve segmento de sua carreira. A medicina recorda melhor Josef Breuer não apenas como um importante pesquisador da fisiologia da respiração e do equilíbrio, mas também como um brilhante diagnostícador que foi médico de toda uma geração de grandes figuras da Viena do fin de siècle.

Nietzsche sofreu de problemas de saúde em grande parte de sua vida. Embora em 1890 sofresse um colapso e resvalasse irrevogavelmente na grave demência de paralisia (uma forma de sífilis terciária, de que morreu em 1900), o consenso é que, na maior parte de sua vida anterior, sofrerá de outra doença. É provável que Nietzsche (cujo quadro clínico retratei baseado no vivido esboço biográfico de Stefan Zweig de 1939) sofresse de grave enxaqueca. Devido a essa doença, Nietzsche consultou muitos médicos por toda a Europa e poderia facilmente ter sido persuadido a se consultar com o eminente Josef Breuer.Não teria sido típico da personalidade de uma Lou Salomé preocupar-se em pedir a Breuer para ajudar Nietzsche. Segundo seus biógrafos, não era uma mulher significativamente oprimida pela culpa, e sabe-se que terminou vários casos amorosos aparentemente sem grande remorso. Geralmente, ela preservava sua privacidade e, pelo que pude apurar, não mencionou publicamente seu relacionamento pessoal com Nietzsche. Suas cartas para ele não sobreviveram. Provavelmente foram destruídas por Elisabeth, a irmã de Nietzsche, que lutou a vida toda contra Lou Salomé. Esta tinha realmente um irmão, Jenia, que estudava medicina em Viena em 1882. Entretanto, é altamente improvável que Breuer tivesse apresentado o caso de Anna O. em uma conferência para estudantes naquele ano. A carta de Nietzsche (no final do Capítulo 12) a Peter Gast, um amigo e editor, e a carta de Elisabeth Nietzsche (no final do Capítulo 7) a Nietzsche são fictícias, como o são a Clínica Lauzon e os personagens Fischmann e Max, este, cunhado de Breuer. (Breuer era, entretanto,um aficionado enxadrista.) Todos os sonhos relatados são fictícios, exceto dois de Nietzsche: os de seu pai levantando da tumba e do estertor da morte do ancião.

Em 1882, a psicoterapia ainda não nascera e Nietzsche, é claro, jamais voltou formalmente sua atenção em direção dela.Contudo, em minhas leituras de Nietzsche, constato que ele estava profunda e significativamente preocupado com a autocompreensão e a mudança pessoal. Para manter a coerência cronológica, confinei minhas citações às obras de Nietzsche anteriores a 1882, sobretudo Humano, demasiado humano, Meditações inoportunas, Aurora e A gaia ciência. No entanto, presumi também que os grandes pensamentos de Assim falou Zaratustra, em grande parte escritos poucos meses depois da época do encerramento deste livro, já estavam percorrendo a mente de Nietzsche.


IRVIN D. YALOM, professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade de Stanford,é autor dos clássicos compêndios The theory and practice of gmup psychotherapy Existential psychotherapy e Inpattent group psychotherapy e co-autor de Every daygets a little closere Encounter groups: First facts- todos publicados pela Basic Books. Seu livro mais recente foi Love's executioner and other tales of psychotherapy (Basic Books,1990).